sexta-feira, fevereiro 08, 2008


Ferrugem
O José Alberto acusa de ferruginosa esta gestão camarária.Explica porquê: diz ele que o metal há muito que está carcomido pelo tempo e pelo abandonoa que a cidade está votada. Explica ele que o metal não levou primário, zarcão.Ainda assim disponibilizei-me a mostrar-lhe a cidade. Dizia ele, que no caso das Caldas, o primário era essencial para a preservação do metal, devido ao clima húmido e às águas mornas.Aqui, pensei eu, ele está a meter-se connosco. Pedi-lhe que clarificasse, ele refutou que só não entende quem não quer, bastando percorrer o centro da cidade para perceber que a nossa urbe se encontra doente e ferruginosa, apontando a dedo às lascas visíveis. Enumerou-as à medida que, nesta linda tarde primaveril, fomos percorrendo, sem pressa, a malha desta teia que nos paralisa e nos comove.
O José Alberto exemplificava, como um professor rotinado na técnica de escrever sumários sinópticos onde cabe integralmente toda a aula, gesticulando e nunca cedendo o passo: aqui, dizia ele, o passeio onde não cabe sequer um transeunte; aqui três prédios, na mesma rua, em risco de ruína, três lindos prédios, por sinal; ali, ao dobrar da esquina, caixas de iluminação no meio do exíguo passeio; além três automóveis em cima do passeio, um deles a enervar o morador do prédio 45, por impedir a saída da garagem; além, a praça, a esta hora deserta, com a sua linda calçada completamente esburaca e perigosa para a circulação pedonal; bem perto do parque, um museu do ciclismo, com uma exposição das invasões francesas.Aqui riu-se e interrogou-se se os franceses terão vindo de bicicleta, ri-me também, com alguma mágoa à mistura.
No parque, tambem ele ferruginoso, com os seus pavilhões quais "craquelets" destemperados, esquecidos e oxidados; lá mais à frente, o Zé indignou-se mesmo e descarregou em mim, claro, toda a sua indignação pelo que se lhe era dado a observar, ali mesmo ao fundo, lá bem no fundo, atrás do Museu Malhoa, fechado, virou-se para mim e clamou, "então pá, vocês vivem em que século?Não têm dois olhos para verem ?Então escondem o vosso Bordalo nos confins do parque? Mas que bestialidade é esta, hem?
Expliquei-lhe que o busto nem sempre estivera ali, já havia estado num local mais "central" e que não fora este executivo a deslocalizá-lo para o desterro onde se encontra. Ele não esteve com meias medidas e mandou-me à merda, rematando o assunto com outra "chicotada" que me calou de vez, eh pá, para além de o esconderem ainda por cima só lhe fizeram o busto, quando o Homem era, todo ele, uma Personagem de corpo inteiro, bem poupadinhos que vocês são......, eu calei-me, só mais tarde percebendo toda a amplitude do comentário.
Admirou o palacete do Visconde de Sacavém, dizendo que valeu a tarde, talvez o dia, dizia ele, isto antes de ter entrado para visitar a exposição permanente e sentir as peças de cerâmica vibrando como se estivessemos a ser assolados por um tremor de terra, com o soalho de madeira verdadeiro e dramático flutuante.
Adorou a Fábrica do mestre Bordalo, os moldes e o percurso museológico, dizia ele que, ali, sim, estávamos no verdadeiro e genuíno museu de cerâmica das Caldas. Perfeito, perfeito, glosava ele, só falta o Mafra para termos o dito, eu concordei.
Da fábrica à praça da fruta, não vou relatar os comentários proferidos, indignados e vociferantes, não relato a vergonha por tanta ferrugem, tanto desprezo e tanta incúria.
O José Alberto é do Porto e foi aprimeira vez que veio às Caldas. A designação de ferrugem é dele.

1 comentário:

Anónimo disse...

:) Abraço. Paulo Prudêncio.