quarta-feira, janeiro 21, 2009

Bordalo nas malhas da crise ?



A Fábrica de Faianças Rafael Bordalo Pinheiro constitui-se como uma das referências mais representativas da memória identitária das Caldas da Rainha e dos Caldenses, afirmando-se como um incontornável ponto de interesse cultural local, regional e nacional, por tudo o que representa para o património cultural, para a história da cerâmica e para a preservação dos traços de afirmação de um território e das suas gentes. Repositório dos saberes de Rafael Bordalo Pinheiro e de todos os que, com ele e depois dele, projectaram a singularidade e beleza das peças de cerâmica nascidas da expressão criativa de vários mestres, a Fábrica Rafael Bordalo Pinheiro assinalou o seu centenário em Novembro de 2008, numa conjuntura marcada pela afirmação de dificuldades que ameaçam a sua laboração e sobrevivência. Dificuldades dramáticas transformadas em risco para os postos de trabalho de mais de uma centena de trabalhadores e em potenciais ameaças sobre um amplo e heteróclito património cultural, não classificado, não inventariado e desprotegido de eventuais tentações desesperadas, lesivas do interesse comum.

A história da Cidade de Caldas da Rainha está cheia de tristes episódios de degradação e destruição de património histórico e cultural por inacção, desleixo e desatenção à sua originalidade e exemplaridade. É nesse contexto que importa salvaguardar o interesse público da dimensão patrimonial da Fábrica Bordalo Pinheiro, dos edifícios mas, sobretudo, dos moldes, das peças originais, dos desenhos e do todo o espólio com relevo para a preservação da memória, do exemplo e da inspiração de uma expressão artística singular. Sem esquecer a relevância da segunda dimensão do problema, a salvaguarda do emprego e da viabilidade do projecto empresarial que está em boa ponderação no quadro do Ministério da Economia e Inovação, sem entrar no plano da avaliação do percurso de qualificação da Fábrica ao longo dos últimos anos, do perfil de gestão ou das estratégias de mercado adoptadas, centremo-nos na questão cultural.

Em nome da defesa do património cultural, da nossa memória colectiva, impõe-se a adopção de medidas provisórias que salvaguardem o interesse público desse espólio, materializado nos seus moldes, nos desenhos e nas peças cerâmicas originais em posse da Fábrica Bordalo Pinheiro, mediante a sua classificação como Conjunto de Interesse Nacional. Interesse Nacional porque a preservação do legado de Rafael Bordalo Pinheiro, dos seus sucessores e dos seus seguidores, a protecção e valorização desse imenso espólio representam um valor cultural de significado para a Nação. Interesse Nacional também porque cada vez mais se impõe a criação de um Museu Nacional de Cerâmica nas Caldas da Rainha que proteja, socialize e promova os espólios de cerâmica dispersos, mal acondicionados, não inventariados e não fruídos por muitos portugueses. Por tudo isto, torna-se um imperativo nacional retirarmos a herança bordaliana das malhas da crise e olhar para o sector da cerâmica decorativa e/ou utilitária onde há projectos empresariais válidos, viáveis e inovadores que também precisam de apoio efectivo para superar as dificuldades de liquidez e de tesouraria.
António Galamba

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